Resumo: O presente artigo dedica-se a lançar luzes sobre o debate jurídico que gravita ao redor da possibilidade de determinado empregado se recusar injustificadamente à receber a vacina contra o corona vírus, e a possibilidade de, como reação, o empregador rescindir o seu contrato de trabalho por justa causa. Para o desenvolvimento da matéria, foram analisadas duas das mais relevantes decisões judiciais sobre o assunto, com a finalidade de demonstrar que o pensamento jurídico-pragmático foi determinante para que os julgadores pudessem tomar uma decisão que melhor considerasse o contexto da pandemia e as consequências de tão relevante decisão. Por derradeiro, examinam-se as doutrinas dos pensadores pragmatistas e as característica da doutrina pragmática previstas nos acórdãos analisados. Ao final, se conclui que o pensamento pragmático-jurídico é abundante nas decisões judiciais estudadas e que este pensamento ofereceu a forma de interpretação mais adequada aos interesses da sociedade e ao encorajamento de campanhas de vacinação.
Palavras-chave: Vacinação. Recusa. Justa Causa. Decisões Judiciais. Pragmatismo.
Abstract: The present academic work aims to contribute to the existing discussions around the legal possibility of an employee to unreasonable refusing to be vaccinated against the coronavirus, and as a consequence, be fired for cause by the employer. To this end, the work has analyzed two of the most important legal precedents regarding this topic, highlighting how the legal-pragmatism was crucial for the judges to better decide the cases considering the pandemic context and the consequences of setting such important precedents. Finally, the work will consider the academic doctrine related to pragmatism and its characteristics identified in the legal precedents analyzed. In the end, it is concluded that the elements of pragmatism are abundant in the reviewed judicial decisions and how this doctrine has offered the most suitable result for the social needs and to encourage the vaccination campaign.
Keywords: Vaccination. Employee’s Refusal. Termination for Cause. Legal Precedents. Pragmatism.
1. INTRODUÇÃO
No dia 11/03/2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) elevou para a classificação de pandemia mundial o estado de contaminação da COVID-19, doença causada pelo coronavírus. A declaração da OMS, a propagação da contaminação pelo vírus em escala mundial e as milhões de mortes que se seguiram causaram profundos prejuízos à humanidade[1].
Felizmente, vacinas foram desenvolvidas e a possibilidade de prevenção das formas mais graves da doença passou a ser uma realidade. Campanhas de vacinação se intensificaram mundo a fora e a discussão sobre a obrigatoriedade da vacinação contra a Covid-19 passou a ser um dos assuntos mais discutidos no meio jurídico e acadêmico.
No Brasil, a discussão jurídica sobre a obrigatoriedade da vacinação ganhou importante marco, quando do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ocorrido em dezembro de 2020, ocasião em que a Suprema Corte procedeu o julgamento conjunto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 6586 e 6587, que tratam unicamente de vacinação contra a Covid-19, e do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1267879, em que se discute o direito à recusa à imunização por convicções filosóficas ou religiosas. Naquela oportunidade, o STF decidiu que o Estado pode determinar aos cidadãos que se submetam, compulsoriamente, à vacinação contra a Covid-19, prevista na Lei 13.979/2020[2] impondo sanções aos cidadãos que recusem a vacinação, mas não pode fazer a imunização à força. Esse julgamento será mais bem explorado em capítulo próprio.
A discussão jurídica sobre a possibilidade de recusa dos indivíduos a uma imunização parece contrapor dois direitos fundamentais, o direito à liberdade individual e o direito coletivo à saúde. Essa mesma discussão ganha elementos interessantes quando colocada no contexto das relações de trabalho. As perguntas são várias: Pode determinado empregado se recusar a tomar a vacina? Essa recusa tem de ser justificada? Em caso de recusa injustificada, é lícito ao empregador punir o empregado com a rescisão do contrato de trabalho? Essa punição pode chegar ao ponto de permitir a ruptura do contrato de trabalho por justa causa dada pelo empregador?
O presente artigo não se presta a esgotar o tema e a responder a todos esses questionamentos, mas, ao contrário, se debruçar sobre algumas importantes decisões proferidas pelas Cortes Brasileiras sobre o tema, de forma a demonstrar que tais decisões têm sobretudo um viés jurídico-pragmático do que propriamente positivista. São decisões que se norteiam principalmente pelo desapego à precedentes antigos sobre matéria similar, contexto atualmente vivido pela sociedade e que consideram as consequências que os precedentes podem gerar no âmbito social.
Não é o objetivo do presente artigo defender um ou outro ponto de vista relacionado à juridicidade da recusa à vacinação. Menos ainda se deseja fazer conjecturas políticas ou ideológicas aptas a desencorajar a vacinação. O que se pretende é uma análise de decisões jurídicas destacando as características da filosofia pragmatista nelas presentes e a inclinação de tais precedentes a obter uma solução que, na visão dos julgadores, melhor corresponda às necessidades e expectativas humanas e sociais.
O pragmatismo jurídico é, portanto, um método argumentativo, de escolha do julgador, justificador de determinada decisão. Como definiu José Eisenber:
“O pragmatismo jurídico não é uma Teoria do Direito. Aliás, nenhum de seus autores se propôs a elaborar uma. Nem Roscoe Pound, nem Oliver Holmes, nem Benjamin Cardozo elaboraram uma no início do século vinte, nem busca fazê-lo hoje seu principal expoente no mundo contemporâneo, Richard Posner. O pragmatismo jurídico consiste apenas de um método de argumentação que pode (ou não) ser adotado por operadores do direito no exercício de suas funções. Este método prescreve que (a) se analise o contexto de normas gerais e precedentes válidos que iluminam o contexto do caso particular, (b) se defina com clareza as conseqüências desejadas pela comunidade política para a ação engendrada, e (c) que princípios jurídicos, éticos ou morais, venham a ser mobilizados como simples instrumentos heurísticos no processo de fazer um juízo.[3]”
Segundo o método pragmático o contexto do caso particular é absolutamente relevante para a tomada de decisão e para a aplicação do melhor direito à espécie. Também para o pragmatismo, o julgador deve considerar os impactos e as consequências que suas decisões judiciais terão para a sociedade.
Quando da análise das cortes trabalhistas sobre a provocação jurídica de se é lícito ao empregador punir o empregado com a rescisão do contrato de trabalho em caso de recusa injustificada, esses dois elementos do pragmatismo são indispensáveis, pois: (i) o contexto é único – a crise da pandemia provocada pelo coronavírus não encontra iguais paradigmas históricos[4], e (ii) as consequências das primeiras decisões judiciais sobre o tema são enormes, eis que podem encorajar ou desencorajar a vacinação de toda uma sociedade, provocando, portanto, efeitos políticos, econômicos e, principalmente, de saúde pública gigantescos.
Nesse artigo serão analisados, sob a ótica do pragmatismo jurídico, a decisão do STF nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 6586 e 6587, que trataram unicamente de vacinação contra a Covid-19, e do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1267879, bem como o precedente trabalhista julgado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, nos autos da reclamação trabalhista 1000122-24.2021.5.02.0472, os quais concluíram, respectivamente, pela constitucionalidade da possibilidade de implementação de vacinações compulsórias, mas não forçadas, e pela manutenção da aplicação de justa causa como motivo da ruptura de contratos de trabalhos de empregados que se recusaram injustificadamente à vacinação.
2. PANORAMA JURÍDICO-TRABALHISTA SOBRE A OBRIGATORIEDADE DA VACINAÇÃO
Para que se possa entender adequadamente os elementos da teoria pragmatista presentes nas decisões judiciais objeto de estudo do presente artigo, é imprescindível o entendimento do panorama legislativo positivado sobre a obrigatoriedade da vacinação para fins das relações de trabalho.
Começa-se, portanto, pela lei maior destacando-se importantes conceitos trazidos pela Constituição Federal. Um dos mais importantes e que irá amparar várias das conclusões do presente artigo é o princípio da legalidade. Estabelece, pois, o artigo 5º, II, da Carta Magna que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Sob a análise exclusiva desse artigo, poder-se-ia defender que apenas se houver uma lei obrigando empregados a se vacinarem é que seria possível obrigar ou coagir referidos empregados à vacinação. Daí talvez o surgimento de toda a problemática: Não há lei que expressamente obrigue empregados a se vacinarem, conforme se verá mais detidamente adiante.
A Constituição Federal traz ainda importante conceito para a presente análise ao dispor que aos trabalhadores urbanos e rurais é (i) assegurada a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (artigo 7º, XXII), e, (ii) assegurado o seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa (artigo 7º, XXVIII). Pela análise dos dois dispositivos legais seria possível defender que os empregados têm o direito de verem reduzidos os riscos à sua saúde no ambiente de trabalho, bem como que o empregador poderia ser responsabilizado juridicamente caso contribuísse, por dolo ou culpa, para a contaminação dos empregados no ambiente de trabalho.
A Constituição Federal segue complementada por diversos outros dispositivos relacionados com a intangibilidade do corpo humano, proteção à saúde, a dignidade da pessoa humana e aos direitos individuais dos cidadãos que, embora relevantes, não serão aqui transcritos ou diretamente referidos, já que secundários à análise a que o texto se propõe.
Passando à análise infraconstitucional, durante o estado de pandemia declarado em razão da disseminação do coronavírus, foi publicada a Lei 13.979/2020 que dispõe sobre as medidas que poderão ser adotadas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019. Aspecto relevante é trazido pelo artigo 3º desta lei:
Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, poderão ser adotadas, entre outras, as seguintes medidas:
I - isolamento;
II - quarentena;
III - determinação de realização compulsória de:
a) exames médicos;
b) testes laboratoriais;
c) coleta de amostras clínicas;
d) vacinação e outras medidas profiláticas; ou
e) tratamentos médicos específicos;
(...)” (grifos nossos).
O artigo 3º acima transcrito claramente estabelece a possibilidade de o poder público impor, de forma compulsória a vacinação. Novamente a problemática: Não houve até o momento qualquer determinação por parte das autoridades públicas de uma vacinação compulsória.
A mesma lei 13.979/2020 também assegura às pessoas afetadas pelas medidas previstas no artigo 3º acima transcrito, “o pleno respeito à dignidade, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais das pessoas” (artigo 3º, §2º, III). Assim, por força legal, qualquer campanha de vacinação, compulsória ou não, deve assegurar o direito à dignidade das pessoas e às liberdades fundamentais. Apesar dessa disposição específica, a lei não cuidou de esclarecer expressamente se a objeção individual à vacinação se encontraria abarcado pelo direito à liberdade fundamental a que se refere o dispositivo legal.
Caminhando na análise infraconstitucional que rege os direitos relacionados à relação de trabalho, destaca-se a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Nas palavras de Almeida (2015): “A CLT disciplina as relações individuais como, inclusive, as coletivas de trabalho, regulamentando, outrossim, a estrutura e funcionamento da Justiça do Trabalho e o processo trabalhista.”
A CLT é, portanto, o mais importante diploma legal existente no Brasil com a finalidade de regular as relações de trabalho. É legislação protetiva dos empregados e, sob esse enfoque deve ser analisada. A CLT traz diversas obrigações, principalmente em seu Capítulo V, em relação à obrigatoriedade dos empregadores de propiciar um ambiente de trabalho livres de riscos à saúde e a integridade física dos trabalhadores e, delega à autoridade do Poder Executivo, a edição de normas regulamentadoras da proteção ao ambiente de trabalho.
Por sua vez, as normas regulamentadoras (NR) atualmente existentes que se estendem desde a NR1 até a longínqua NR37 estabelecem um sem número de obrigações a serem cumpridas pelos empregadores na tentativa de prover um ambiente de trabalho seguro e saudável aos empregados.
Não há, em toda a CLT e, quase não há, nas 37 NRs, qualquer referência expressa à necessidade de os empregadores exigirem dos seus empregados a vacinação como forma de proteção dos trabalhadores e de prover um ambiente de trabalho saudável. Tampouco existe a obrigação de que os empregados se submetam de forma compulsória a qualquer vacina.
A única referência expressa sobre a vacina nas normas regulamentadoras está contida na NR32[5] que é aplicável exclusivamente aos trabalhadores da área da saúde e possui um capítulo sobre a “Vacinação dos Trabalhadores”. Contudo, nesse capítulo, a NR prevê a obrigação dos empregadores de prover vacinas, de seguir as recomendações do Ministério da Saúde, e de informar aos empregados em relação às “vantagens e dos efeitos colaterais, assim como dos riscos a que estarão expostos por falta ou recusa de vacinação, devendo, nestes casos, guardar documento comprobatório e mantê-lo disponível à inspeção do trabalho”.
Veja-se que a NR 32 prevê exclusivamente a obrigação de informar aos empregados as vantagens da vacinação, nada mencionando acerca da possibilidade de aplicação de sanções aos empregados que se recusarem à vacinação.
Em resumo, ao se analisar sob a ótica das relações de trabalho a legislação brasileira, não se encontra disposição expressa que autorize a conclusão de que os empregados devam ser submetidos compulsoriamente à vacinação, sob pena de aplicação de sanções trabalhistas. Essa é uma análise, portanto, que está reservada ao interprete da legislação que deverá buscar métodos de hermenêutica aptos a auxiliá-lo na solução da controvérsia.
2.1 Possibilidade Legal de Aplicação de Justa Causa a Empregados
A possibilidade de aplicação da justa causa para a ruptura do contrato de trabalho está prevista no artigo 482 da CLT. A lei traz as seguintes hipóteses legais que possibilitariam a rescisão do contrato por justa causa:
Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:
a) ato de improbidade;
b) incontinência de conduta ou mau procedimento;
c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço;
d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena;
e) desídia no desempenho das respectivas funções;
f) embriaguez habitual ou em serviço;
g) violação de segredo da empresa;
h) ato de indisciplina ou de insubordinação;
i) abandono de emprego;
j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
l) prática constante de jogos de azar.
m) perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o exercício da profissão, em decorrência de conduta dolosa do empregado.
Parágrafo único - Constitui igualmente justa causa para dispensa de empregado a prática, devidamente comprovada em inquérito administrativo, de atos atentatórios à segurança nacional.
Nas lições de Almeida (2015 p.341), o rol de situações ensejadores da justa causa é taxativo, não comportando situações não previstas na lei:
A legislação brasileira adota o sistema enumerativo ou limitativo das faltas graves ensejadoras da dispensa do em- pregado por justa causa, bem como do empregador, e que possam, igualmente, dar causa à rescisão do pacto laboral por
culpa deste último. Na lição sempre lembrada de Dorval de Lacerda:
“O tipo enumerativo ou limitativo, ao qual se subordina a lei brasileira, tal como indica a sua própria denominação, é aquele no qual a lei enumera as faltas graves, tanto do em- pregador como do empregado, e limita, na- turalmente, a ação do juiz à apreciação das figuras faltosas especificadas, não sendo a ele lícito aceitar qualquer fato ou ato que não coincida nos respectivos conceitos”
Nesse caso, não é o juiz quem, em última análise, estabelece e admite a figura faltosa, mas a própria lei, restando àquele tão somente a função de estabelecer os conceitos e capitular os atos. A lei, então, diz o que entende ser a violação do pacto ou da relação de emprego, não sendo lícito a ninguém admitir uma nova figura faltosa, além daquelas que ela especifica. O critério de tal tipo legislativo é semelhante ao critério criminal: não haverá́ ato faltoso se não estiver enumerado na lei. (grifos nossos).
Verifica-se, pois, que no rol taxativo de motivos para a ruptura de um contrato de trabalho por justa causa, não está contemplada a possibilidade de se rescindir o contrato de trabalho pela negativa do empregado, justificada ou não, de se vacinar. A questão que restará ao magistrado é, portanto, a função de estabelecer se a recusa da vacinação pode ser enquadrada em algum dos incisos do artigo 482, da CLT. E é nesse contexto que as decisões judiciais poderão se valer da metodologia do pragmatismo jurídico.
3. A DECISÃO DO STF SOBRE A OBRIGATORIEDADE DAS VACINAS.
Como já mencionada no capítulo introdutório desse artigo, em dezembro de 2020, o STF se debruçou sobre o tema da compulsoriedade da vacina do conoronavirus. O julgamento ocorreu no contexto do ajuizamento de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 6586 e 6587, que trataram unicamente de vacinação contra a Covid-19, e do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1267879, em que se discutia o direito à recusa à imunização por convicções filosóficas ou religiosas.
O acórdão resultado do julgamento das ADIs, de lavra do Ministro Ricardo Lewandowski, ficou assim ementado:
I – A vacinação em massa da população constitui medida adotada pelas autoridades de saúde pública, com caráter preventivo, apta a reduzir a morbimortalidade de doenças infeciosas transmissíveis e a provocar imunidade de rebanho, com vistas a proteger toda a coletividade, em especial os mais vulneráveis.
II – A obrigatoriedade da vacinação a que se refere a legislação sanitária brasileira não pode contemplar quaisquer medidas invasivas, aflitivas ou coativas, em decorrência direta do direito à intangibilidade, inviolabilidade e integridade do corpo humano, afigurando-se flagrantemente inconstitucional toda determinação legal, regulamentar ou administrativa no sentido de implementar a vacinação sem o expresso consentimento informado das pessoas.
III – A previsão de vacinação obrigatória, excluída a imposição de vacinação forçada, afigura-se legítima, desde que as medidas às quais se sujeitam os refratários observem os critérios constantes da própria Lei 13.979/2020, especificamente nos incisos I, II, e III do § 2º do art. 3º, a saber, o direito à informação, à assistência familiar, ao tratamento gratuito e, ainda, ao “pleno respeito à dignidade, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais das pessoas”, bem como os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, de forma a não ameaçar a integridade física e moral dos recalcitrantes.
IV – A competência do Ministério da Saúde para coordenar o Programa Nacional de Imunizações e definir as vacinas integrantes do calendário nacional de imunização não exclui a dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para estabelecer medidas profiláticas e terapêuticas destinadas a enfrentar a pandemia decorrente do novo coronavírus, em âmbito regional ou local, no exercício do poder-dever de “cuidar da saúde e assistência pública” que lhes é cometido pelo art. 23, II, da Constituição Federal.
V - ADIs conhecidas e julgadas parcialmente procedentes para conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 3º, III, d, da Lei 13.979/2020, de maneira a estabelecer que: (A) a vacinação compulsória não significa vacinação forçada, por exigir sempre o consentimento do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes, e (i) tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes, (ii) venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes, (iii) respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas; (iv) atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, e (v) sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente; e (B) tais medidas, com as limitações expostas, podem ser implementadas tanto pela União como pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, respeitadas as respectivas esferas de competência.” (negrito no texto original).
Já o acórdão que julgou o Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1267879, de relatoria do Ministro Roberto Barroso, teve a seguinte parte dispositiva[6]:
“Decisão: O Tribunal, por unanimidade, apreciando o tema 1.103 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário, nos termos do voto do Relator. Foi fixada a seguinte tese: "É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, (i) tenha sido incluída no Programa Nacional de Imunizações ou (ii) tenha sua aplicação obrigatória determinada em lei ou (iii) seja objeto de determinação da União, Estado, Distrito Federal ou Município, com base em consenso médico-científico. Em tais casos, não se caracteriza violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem tampouco ao poder familiar". Presidência do Ministro Luiz Fux. Plenário, 17.12.2020 (Sessão realizada inteiramente por videoconferência - Resolução 672/2020/STF)” (grifos nossos).
Da análise dos julgados verifica-se que a grande discussão se deu em torno da prevalência do direito coletivo sobre o direito individual. Em seu voto, o Ministro Barroso destacou que:
“Embora a Constituição Federal proteja o direito de cada cidadão de manter suas convicções filosóficas, religiosas, morais e existenciais, os direitos da sociedade devem prevalecer sobre os direitos individuais. Com isso, o Estado pode, em situações excepcionais, proteger as pessoas, mesmo contra sua vontade - como, por exemplo, ao obrigar o uso de cinto de segurança.”[7]
Do voto do Ministro Barroso se verifica que negativas individuais não devem prevalecer sobre o direito ao bem-estar da coletividade, de forma que seria constitucional a exigência compulsória de vacinação, desde que tenha a sua obrigatoriedade incluída em lei ou exista uma determinação da autoridade competente. O STF definiu ainda que, além da necessidade de previsão legal obrigando à vacinação, apenas as autoridades, que nesse caso seriam a União, Estados e Municípios, respeitadas as respectivas esferas de competência, poderiam exigir a vacinação de forma compulsória.
A decisão não trata de temática trabalhista, tampouco faz alusão à possibilidade de o empregador impor sanções aos empregados que se recusarem, justificadamente ou não, à vacinação.
3.1. Dos Elementos do Pragmatismo Jurídico Contidos na Decisão do STF.
O voto do relator das ADIs 6586 e 6587, Ministro Ricardo Lewandowski, é revelador de vários elementos do pensamento pragmático[8] que parece ter norteado boa parte da sua decisão.
O primeiro elemento que merece destaque é a característica do anti-fundacionismo, característica esta típica da escola pragmatista, e que está representada no fato de que o Ministro relator não negligencia os precedentes judiciais sobre temas similares relacionados com a vacinação. Ao contrário, os utiliza como fonte de estudos para ao final chegar à uma conclusão que não se prende aos conceitos até então estipulados.
Richard Posner, um dos mais representativos defensores do pensamento pragmático, defende que é justamente essa forma de encarar os precedentes que distancia o magistrado positivista de um magistrado que se escore no pensamento pragmático:
“O juiz pragmatista tem outras prioridades. Quer encontrar a decisão que melhor atenda às necessidades presentes e futuras. Não tem desinteresse pela jurisprudência, pela legislação, etc. Muito pelo contrário. Em primeiro lugar essas fontes são depósito de conhecimento e até, às vezes, de sabedoria; por isso, mesmo que não tenham valor dispositivo, seria loucura ignorá-las. Em segundo lugar, uma decisão que se afaste abruptamente dos precedentes e, assim, desestabilize o direito pode ter, no saldo, consequências ruins.”
Seguindo as lições de Posner e em linha com o conceito do anti-fundacionismo, ao julgar as ADIs, o Ministro Lewandowski se vale de precedente do próprio STF durante a chamada Revolta das Vacinas, datado de 1905, para traçar um paralelo entre as duas situações:
“Embora muitas justificativas tenham sido apresentadas para a Revolta da Vacina, a sua explicação mais óbvia reside na repulsa generalizada à obrigatoriedade da imunização, tal como levada a efeito, especialmente mediante a invasão das casas e o internamento dos recalcitrantes. 5 Lembro que, já naquele tempo, tal como ocorre agora, o Supremo Tribunal Federal foi instado a entrar no debate, ao conceder ordem de habeas corpus preventivo em favor de Manoel Fortunato de Araújo Costa para afastar ameaça de constrangimento ilegal representada pela intimação de inspetor sanitário para ingressar em sua residência e proceder a uma desinfecção. A Corte considerou inconstitucional a disposição regulamentar que facultava “às autoridades sanitárias penetrar, até com o auxílio da força pública, em casa de particular para levar a efeito operações de expurgo” (RHC 2.244/DF, Redator para Acórdão Ministro Manoel Murtinho, DJ 31.1.1905).”
A referência ao precedente do século passado parece ser feita mais na tentativa de buscar fontes de conhecimento que trataram situação semelhante, do que propriamente de limitar a convicção do julgador e a aplicação do antigo precedente de uma forma mecânica. Até por isso, as conclusões do julgamento de 2020 divergem daquele do julgado de 1905, aceitando, o julgamento atual, a constitucionalidade de medidas que tornem a vacinação compulsória, desde que observado o princípio da legalidade. Nesse sentido, a decisão parece se alinhar muito mais a um raciocínio jurídico-pragmático do que o pensamento dogmático-positivista.
Posner (2012 p.358) ensina que: “A filosofia, especialmente a pragmática, incita a dúvida, e a dúvida incita a investigação; assim o magistrado torna-se um julgador menos dogmático e mais pragmático ou, pelo menos, fica com a mente mais aberta.”
A decisão do STF denota ainda mais uma clara característica do pensamento pragmático: a valoração do contexto em que a decisão será proferida. Nesse sentido são os trechos do acórdão da Suprema Corte:
É nesse contexto, amplificado pela magnitude da pandemia decorrente da Covid-19, que se exige, mais do que nunca, uma atuação fortemente proativa dos agentes públicos de todos os níveis governamentais, sobretudo mediante a implementação de programas universais de vacinação, pois, como adverte o professor da Universidade de São Paulo antes referido, “o direito é garantido por aquelas políticas indicadas, que hão de ser estabelecidas, sob pena de omissão inconstitucional”.
(...)
Nesse sentido, é manifesto que a vacinação obrigatória não pode ser medida inaugural de uma política sanitária. De fato, por seu caráter invasivo, a vacinação obrigatória não pode ser primeira medida sanitária, senão ultima ratio, justificável pelo contexto epidemiológico e vacinal. Aqui não pode haver precipitação: se, por exemplo, uma alta percentagem das pessoas resolverem voluntariamente se vacinar — se e quando houver a vacina —, pode ser desnecessária a vacinação obrigatória. Esta deve ser medida extrema, apenas para uma situação grave e cientificamente justificada, e esgotadas todas as formas menos gravosas de intervenção sanitária.
(...)
Sem razão, contudo, a meu juízo, uma vez que a norma impugnada rege, em caráter especial, situação jurídica específica, qual seja, o enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.
Tanto se trata de um contexto singular que inspirou o legislador a editar normas específicas para o seu enfrentamento, dentre as quais a norma objeto da presente impugnação. Em absoluto confunde-se, o objeto do presente feito, com as ações de vigilância epidemiológica no âmbito do Programa Nacional de Imunizações, objeto da Lei nº 6.259/1975, cuja impugnação, considerados os limites da pretensão deduzida, evidencia-se de todo desnecessária. (grifos nossos).”
As menções ao contexto da pandemia do coronavírus como elemento norteador da decisão do STF são presentes em todo o acórdão. A Corte Suprema considera único o contexto, de forma que a decisão prolatada é, de igual forma única, não se prendendo aos precedentes anteriores da Corte, os quais, a toda evidência, foram proferidos em condições históricas absolutamente diferentes.
O elemento do contextualismo ganha particular relevância no acórdão, quando há a citação de Richard Posner[9], um dos principais expoentes da escola pragmática. Consta do acórdão:
Descabe potencializar a semântica das liberdades constitucionais, desvirtuando-as de modo a impingir-lhes uma hermenêutica afastada de qualquer lastro nas condições materiais viabilizadoras da sua aplicação.
Na eloquente imagem de Richard Posner, a Constituição não se presta a ser interpretada como um pacto suicida. Em situações emergenciais, restrições a direitos fundamentais que seriam inadmissíveis em períodos de normalidade, podem vir a ser admitidas, notadamente quando uma modesta limitação de liberdades produzir um substancial ganho em segurança. Com efeito, “O equilíbrio ideal entre liberdade e segurança depende não apenas dos pesos atribuídos aos valores concorrentes, mas também do efeito sobre esses valores da medida de segurança em questão. Uma grande redução na segurança pode dominar uma pequena redução na liberdade, mesmo se a liberdade for considerada muito mais valiosa do que a segurança.”
Por fim, dúvidas não restam de que o terceiro, e talvez mais importante, elemento do pragmatismo está presente na decisão do STF: o consequencialismo. A Corte
Nesse quadro, resulta incontestável, porque não comporta margem razoável de dúvida, a gravidade da pandemia de magnitude global. O
cenário delineado representa sério desafio à capacidade de resposta do Estado brasileiro no implemento de políticas voltadas não apenas ao controle da contingência que é o alastramento da doença e suas consequências imediatas, mas também dos seus efeitos socioeconômicos estruturais (de médio e longo prazo).
(...)
9. A omissão e a negligência com a saúde coletiva dos brasileiros
têm como consequências esperadas, além das mortes que poderiam ser evitadas, o comprometimento, muitas vezes crônico, das capacidades físicas dos sobreviventes que são significativamente subtraídos em suas esferas de liberdades. Sequelas limitadoras reduzem as possibilidades de escolhas disponíveis aos indivíduos, o espaço em que pode ser exercida a sua autonomia individual, limitando-a. Sob essa perspectiva, ainda que eventualmente compulsório, longe de configurar afronta inconstitucional à liberdade individual tomada em abstrato, um programa eficaz de vacinação contribui decisivamente, isto sim, para eliminar privações de liberdades e ampliar as “liberdades substantivas de diferentes tipos que as pessoas têm razão para valorizar”.
Nota-se dos trechos transcritos, a preocupação do STF em oferecer um comando decisório à sociedade que estimule a vacinação, sem, contudo, ofender direitos e garantias constitucionais inalienáveis. Essa preocupação é manifesta quando a Corte esclarece que:
12. É necessário enfatizar à exaustão que o reconhecimento da constitucionalidade do art. 3º, III, “d”, da Lei nº 13.979/2020, no que autoriza a adoção de vacinação compulsória, não significa que esta Corte esteja determinando a vacinação compulsória. Sua eventual necessidade deverá ser avaliada pelos gestores de saúde, no âmbito de suas competências.
Observa-se que o STF, preocupado de antemão com as consequências de uma decisão que declare constitucional uma campanha de vacinação compulsória, já, desde logo, esclarece que o Tribunal não está determinando que se faça uma vacinação compulsória, remetendo esta competência e avaliação aos gestores da saúde.
Novamente a preocupação com as consequências da decisão pode ser verificada na ênfase que o STF dá à distinção entre os conceitos de “vacinação compulsória” com “vacinação forçada”:
14. Destaco, à demasia, que o caráter compulsório da vacinação, no marco da Constituição vigente, de modo algum elide a necessidade de que a inoculação seja, afinal, consentida. Vacinação compulsória não é vacinação forçada, sequer cogitável que agentes estatais possam inocular agentes imunizantes à força ou mediante ameaça em qualquer pessoa, tampouco violar os domicílios dos brasileiros, sendo absolutamente infundado qualquer receio nesse sentido. Por compulsoriedade compreende-se que, dadas as finalidades a serem alcançadas, em benefício de todos, de um elevado índice de vacinação para a imunização eficaz da população, pode o Estado adotar medidas razoáveis e proporcionais para incentivar ou compelir a imunização – e onerar a inércia – como a restrição de acesso a determinados locais, o impedimento à realização de determinadas atividades, a suspensão de benefícios conferidos pelo Estado, a proibição de comportamentos que coloquem em risco outras pessoas ou a imposição de sanções pecuniárias.
A importante decisão do STF de 2020 e que se tornou um marco judicial interpretativo dos limites da vacinação é claramente pautada por elementos pragmáticos de interpretação jurídica. O apego ao anti-fundacionismo[10], ao contextualismo e ao consequencialismo são presentes durante todos os momentos da leitura do acórdão.
4. A DECISÃO DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 2ª REGIÃO.
Ao passo que a decisão do STF vista no capítulo anterior reconhece a constitucionalidade das campanhas compulsórias, e não forçadas, de vacinação, a decisão não adentra a temática trabalhista, em especial a possibilidade de um empregador exigir que seus empregados se vacinem contra o coronavírus, sob pena de sofrerem sanções que, em casos mais graves, poderiam chegar ao rompimento do contrato de trabalho por justa causa.
O tema é novo e, por essa razão, não existem muitos julgados que apreciem especificamente a questão. Desde 17/01/21, quando a primeira brasileira foi vacinada, o Brasil apenas conseguiu completar a imunização de 77%[11] da sua população até 07/06/2022.
Assim, como o tema da vacinação ainda é recente, para que existissem várias decisões abordando a possibilidade de rompimento do contrato de trabalho por justa causa, teria de haver a negativa de trabalhadores, a decisão do empregador de romper o contrato de trabalho, o ajuizamento de uma ação trabalhista questionando a decisão do empregador, o desenvolvimento da fase de instrução processual, e a prolação da decisão judicial. Tudo isso em um intervalo de tempo de poucos meses. Com poucas exceções, essa velocidade entre o início do litígio e a prolação de uma decisão não é a realidade da Justiça do Trabalho no Brasil, o que explica a ausência de uma quantidade expressiva de precedentes judiciais sobre o tema.
No entanto, existe um julgado trabalhista relevante e específico sobre a matéria, que se pretende estudar no presente artigo. Trata-se do acórdão proferido pela 13ª turma julgadora do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, tribunal de segunda instância dos mais relevantes do Brasil[12], no processo 1000122-24.2021.5.02.0472.
Neste processo, os desembargadores analisaram a situação de uma empregada que trabalhava na equipe de limpeza de um hospital e que, segundo o hospital, teria se negado por duas oportunidades a se vacinar, sem ter apresentado um motivo que justificasse a negativa, além da afirmação de que não haveria lei que a obrigasse à vacinação. Após as duas negativas, o hospital decidiu rescindir o contrato de trabalho, aplicando-se a penalidade por justa causa.
O acórdão, de relatoria do Desembargador Roberto Barros da Silva, foi assim redigido:
“A reclamada logrou êxito em comprovar, pela extensa prova documental acostada à sua peça defensiva, a adoção de um Protocolo Interno focado no combate e enfrentamento à pandemia gerada pelo novo Coronavírus, que se revelou extremamente contagioso, e até presente data, somente no Brasil, já havia contaminado oficialmente mais de dezessete milhões de pessoas, e levado a óbito mais de quatrocentos e oitenta e oito mil brasileiros, conforme se infere dos dados oficiais obtidos na página eletrônica oficial do Ministério da Saúde do Governo Federal (número atual de contaminados em 14/06/2021 - 17.452,612, número de óbitos em 14/06/2021 - 488.228 - https://covid.saude.gov.br).
Convém ressaltar que segundo os dados e boletins epidemiológicos constantes da referida página oficial, a Região Sudeste, na qual a reclamante trabalhava, apresenta maior número de contágios e de óbitos quando comparado às demais regiões do Brasil, sendo que quase metade dos óbitos está concentrado nessa Região.
Consigne-se que os principais objetivos do Protocolo adotado pela reclamada eram justamente promover e disseminar as diretrizes adotadas para conter o contágio entre os clientes e colaboradores em geral, fornecer orientações aos colaboradores da empresa sobre a prevenção e a necessidade de adoção de cuidados diante da pandemia, bem como consolidar as ações e as medidas práticas adotadas pela empresa para a mitigação dos riscos.
Prosseguindo, verifico que a reclamada comprovou ter disponibilizado diversos informativos, bem como adotou diversas medidas relevantes, tais como a antecipação das férias dos colaboradores com mais de sessenta anos ou com comorbidades, transferência dos postos de trabalho das gestantes evitando que elas prestassem assistência direta aos pacientes, realização de treinamentos inclusive por meio de vídeo-aulas, e distribuição de máscaras de proteção, álcool em gel, luvas, toucas e aventais para os colaboradores da área da saúde, escalonamento dos horários de saída de algumas equipes, e adoção de outras medidas de orientação para a higiene das superfícies, das mãos, entre outras providências que estão minuciosamente descritas no documento Id. 4d2050c.
Acrescento que é público e notório que a Organização Mundial de Saúde tem afirmado e reiterado que para conter a propagação do vírus e evitar a propagação de novas cepas e variantes ainda mais contagiosas, é necessária a adoção de diversas medidas práticas concomitantes, tais como: o distanciamento social, a higienização das mãos e superfícies com sabonete ou álcool em gel, o uso correto de máscaras de proteção, e principalmente a vacinação em massa da população, no intuito de atingir a chamada "imunidade de rebanho". Ressalte-se que tais medidas têm sido adotadas por diversos países que estão conseguindo bons resultados na diminuição do número de contágios, internações e óbitos, sendo relevante pontuar que a vacinação se constitui como medida urgente que visa proteger a população e, por conseguinte, assegurar o retorno das atividades comerciais, o desenvolvimento da economia, e a reabertura das vagas de emprego.
No caso vertente, não se pode perder de vista que a autora trabalhava diariamente em ambiente hospitalar, realizando atividades de limpeza no hospital municipal infantil no qual estava alocada. Desse modo, resta patente que ela trabalhava na chamada "linha de frente" do combate ao novo Coronavírus, e justamente por essa condição, pertencia a um dos primeiros grupos prioritários que foram contemplados com a disponibilização da vacinação tão almejada pela população em geral.
A despeito das alegações da reclamante no sentido de que não poderia ser obrigada a tomar a vacina, porque não existe lei que a obrigue, é preciso consignar que em 07/02/2020 foi pulicada a lei 13.979/2020, que dispõe justamente sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública mundial deflagrada do novo coronavírus. Veja-se que o referido regramento, previu, em seu artigo 3º, inciso III, a possiblidade de realização compulsória de vacinação e outras medidas profiláticas baseadas em evidências científicas.
Com efeito, a vacinação em massa da população contra a COVID19 se constitui como medida emergencial que vem sendo adotada pelas autoridades de saúde pública de todo o mundo, no claro intuito de proteger a população em geral, evitar a propagação de novas variantes, bem como reduzir o contágio, diminuir as internações e óbitos e possibilitar o retorno da sociedade para as suas atividades laborativas, comerciais, empresariais, acadêmicas e familiares.
Ademais, convém destacar que o C. STF já se manifestou no sentido de que a vacinação obrigatória se afigura como conduta legítima, desde que as medidas profiláticas observem os critérios constantes do regramento supracitado, em especial o direito à informação, ao tratamento gratuito, entre outros, conforme se infere da decisão transcrita pelo magistrado de origem na fundamentação da sentença prolatada no primeiro grau.
Nesse passo, em se tratando de doença altamente contagiosa, que ensejou uma grave pandemia que vem sendo duramente combatida no mundo todo, e que causou o colapso do sistema de saúde em geral (escassez de vagas, elevação no número de internações hospitalares, falta de leitos de UTI, necessidade de compra de respiradores, oxigênio, medicamentos, contratação de profissionais de saúde) e ocasionou um aumento expressivo do número de óbitos, sem falar nos incontáveis prejuízos para a economia global, incluindo, por óbvio o fechamento de estabelecimentos comerciais, empresas e até mesmo a diminuição expressiva de postos de trabalho, não há como acolher a tese recursal suscitada pela apelante, no sentido de que, mesmo trabalhando na linha de frente e com vacina disponibilizada de forma gratuita pelo Governo, seu interesse pessoal, consubstanciado na simples recusa da vacina, sem a apresentação de qualquer justificativa, deve prevalecer sobre o interesse coletivo.
A bem da verdade, considerando a gravidade e a amplitude da pandemia, resta patente que se revelou inadequada a recusa da empregada que trabalha em ambiente hospitalar, em se submeter ao protocolo de vacinação previsto em norma nacional de imunização, e referendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), sobretudo se considerarmos que o imunizante disponibilizado de forma gratuita pelo Governo (vacina), foi devidamente aprovado pelo respectivo órgão regulador (ANVISA). Desse modo, considerando que a reclamada traçou estratégias para a prevenção da COVID19, divulgou informações e elaborou programa de conscientização para assegurar a adoção de medidas protetivas e a vacinação de seus colaboradores, não se mostra razoável aceitar que o interesse particular do empregado prevaleça sobre o interesse coletivo, pois, ao deixar de tomar a vacina, a reclamante realmente colocaria em risco a saúde dos seus colegas da empresa, bem como os demais profissionais que atuam no referido hospital, além de pacientes, e seus acompanhantes.
Acrescente-se que é dever do empregador oferecer aos seus empregados ambiente de trabalho salubre e seguro, nos termos da Lei, reprisando-se que no caso vertente, a reclamada comprovou a adoção das medidas necessárias e disponibilizou aos seus colaboradores informativos sobre a necessidade de minimizar os riscos de contágio, incluindo, por óbvio, a necessidade de aderir ao sistema de imunização.
Diante de tais circunstâncias, e considerando que a reclamante já havia sido advertida anteriormente pelo mesmo motivo, e em nenhum momento tentou justificar (seja para a reclamada, seja em Juízo), o motivo que teria ensejado a recusa em tomar a vacina disponibilizada de forma emergencial e prioritária ao grupo de trabalho ao qual ela pertencia (dadas as condições de risco por trabalhar em ambiente hospitalar de risco), fico plenamente convencido de que a conduta adotada pela reclamada (aplicação da justa causa) não se revelou abusiva ou descabida, mas sim absolutamente legítima e regular, porquanto, para todos os efeitos, a reclamante não atendeu à determinação da empresa.
Ante todo o exposto, tenho por bem manter a improcedência dos pedidos formulados na exordial, e negar provimento ao apelo ora interposto, em todos os seus aspectos” (grifos nossos).
A decisão acima proferida parece ter sido a primeira decisão de um colegiado de segunda instância que julgou a matéria relacionada à possibilidade de aplicação da justa causa contra empregados recalcitrantes em relação à vacinação. Por sua importância, será utilizada por advogados e outros juízes como paradigma para casos similares, quer para haver concordância com o seu teor, quer para ser combatida. Conforme se passará a analisar, a decisão do TRT é eivada de elementos do pragmatismo jurídico que, de certo, contribuíram para que os magistrados alcançassem o resultado interpretativo.
4.1. Dos elementos do pragmatismo jurídico contidos na decisão do TRT.
De forma consciente ou inconsciente os elementos do pragmatismo jurídico parecem ter sido utilizados pelos julgadores para a prolação da decisão. Elementos como o anti-fundacionismo, contextualismo e consequencialismo, este último menos aparente, estão presentes na decisão.
Em relação ao anti-fundacionismo, pode-se perceber que o acórdão não cita um único precedente judicial sobre a matéria. Evidentemente que existem precedentes judiciais históricos que poderiam ser usados para a finalidade de convencimento do julgador, como por exemplo, a recusa de trabalhadores a outras vacinas como sarampo, meningite, febre amarela, entre outros. Ainda que não quisessem se socorrer a precedentes relacionados com outras vacinas, por entenderem inaplicáveis ao caso concreto, os desembargadores poderiam se referir a julgados anteriores relacionados com a manutenção de aplicação de justa causa em determinadas condições específicas, como por exemplo, quando há o descumprimento de norma interna imposta pelo empregador.
Entretanto, surpreendentemente, já que está não é a normalidade das decisões trabalhistas, as quais, como regra, buscam citar precedentes jurisprudenciais, o acórdão ora analisado não faz uma única referência a julgados antigos trabalhistas. É possível defender, portanto, que essa é uma característica que aproxima o julgado do pensamento pragmático por meio do antifundacionismo.
Rorty[13] definiu o fundacionismo como "o desejo de encontrar fundações às quais alguém pode se prender, estruturas das quais não se pode desviar, objetos que se impõem, representações que não podem ser contestadas".
Já Posner (2012 p.382) ao estabelecer como um juiz pragmatista considera a jurisprudência ensina que:
“Isso significa que o juiz pragmatista encara a jurisprudência, a legislação e o texto constitucional sob dois aspectos: como fontes de informações potencialmente úteis sobre o provável melhor resultado no caso sob exame e como marcos que ele deve ter o cuidado de não obliterar nem obscurecer gratuitamente, pois as pessoas o tomam como pontos de referência. Porém como vê essas “fontes” somente como fontes de informação e como restrições parciais à sua liberdade de decisão, ele não depende delas para encontrar o princípio que lhe permite decidir um caso verdadeiramente inusitado.”
Ora, o pensamento dos desembargadores que entenderam pela manutenção da justa causa não foi acorrentado por qualquer julgado anterior que defendesse a manutenção da justa causa, ou que advogasse pela reforma do julgado para que fosse deferida a reversão da justa causa, por isso, a defesa de que o acórdão em debate é, sobretudo, anti-fundacionista.
É verdade que o acórdão do TRT faz referência expressa ao acórdão do STF, que foi discutido no capítulo 3 acima, para estabelecer um marco jurisprudencial que, segundo a interpretação do acórdão do TRT, autorizaria o argumento de que a vacinação pode ser obrigatória.
No entanto, a referência feita ao acórdão do STF não se prestou a ancorar o raciocínio do TRT e permitir uma aplicação exclusivamente mecânica do que restou decidido pela Corte Suprema[14]. Primeiro porque o acórdão do STF, como já visto, não trata da temática trabalhista. Segundo porque, o STF definiu expressamente em seu acórdão que:
“a vacinação compulsória não significa vacinação forçada, por exigir sempre o consentimento do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes” (grifos nossos).
Assim, como visto no capítulo 2 do presente artigo, atualmente não há lei que expressamente determine a obrigatoriedade de vacinação para empregados[15] e, menos ainda, lei que expressamente determine que a recusa à vacinação é motivo justificador da rescisão do contrato de trabalho por justa causa. E isso é relevante porque demonstra que o acórdão do TRT que traz referência ao acórdão do STF, não fica preso à conclusão da Suprema Corte de que precisaria haver uma lei estabelecendo “medidas indiretas” de restrições de direitos para que se pudesse obrigar a vacinação compulsória.
Outra característica relevante do pragmatismo impregna o acórdão: o contextualismo. As diversas menções à ferocidade da pandemia, com a transcrição de dados estatísticos de contaminações e mortes, bem como a “gravidade e a amplitude da pandemia”, e ainda a possibilidade de “propagação de novas cepas e variantes ainda mais contagiosas”, mostram que o contexto que envolve o caso específico é fundamental para o processo decisório dos magistrados.
O contexto específico que circundava a autora da ação também é tido por relevante pelos julgadores para a tomada de decisão, denotando novamente a presença do elemento do contextualismo, característica típica do pensamento pragmático. Afinal de contas, o acórdão considerou que:
“No caso vertente, não se pode perder de vista que a autora trabalhava diariamente em ambiente hospitalar, realizando atividades de limpeza no hospital municipal infantil no qual estava alocada. Desse modo, resta patente que ela trabalhava na chamada "linha de frente" do combate ao novo Coronavírus, e justamente por essa condição, pertencia a um dos primeiros grupos prioritários que foram contemplados com a disponibilização da vacinação tão almejada pela população em geral.”
Por fim, embora não expresso no acórdão, parece ter havido uma preocupação dos julgadores em relação às consequências que uma decisão que reformasse o julgado de primeira instância e julgasse ilegal a demissão por justa causa poderia causar.
Isso se percebe das diversas alusões do julgado às louváveis atitudes adotadas pela empresa em estabelecer regras e normas que tenderiam a reduzir o risco de contágio, bem como às críticas, ainda que veladas, à autora da ação que não justificou para a empresa ou mesmo judicialmente as razões de sua recusa à vacinação.
O acórdão trata ainda do risco – consequência - que condutas como a da autora da ação poderia trazer à coletividade, demonstrando a sua preocupação em traçar um limite claro que deve nortear os empregadores e empregados na análise da questão, qual seja: a necessidade de evitar a propagação do vírus. É o que se pode interpretar do trecho:
Desse modo, considerando que a reclamada traçou estratégias para a prevenção da COVID19, divulgou informações e elaborou programa de conscientização para assegurar a adoção de medidas protetivas e a vacinação de seus colaboradores, não se mostra razoável aceitar que o interesse particular do empregado prevaleça sobre o interesse coletivo, pois, ao deixar de tomar a vacina, a reclamante realmente colocaria em risco a saúde dos seus colegas da empresa, bem como os demais profissionais que atuam no referido hospital, além de pacientes, e seus acompanhantes.
Fosse outro que não o pragmático, o método de interpretação utilizado pelos julgadores, e caso estes adotassem uma visão dogmática e positivista da matéria, poderiam ter concluído algo que obedecesse a uma lógica diferente e mecanizada de pensamento como: A autora se negou à vacinação. A empresa demitiu a trabalhadora por justa causa. Não há lei que expressamente determine a aplicação da justa causa para essa finalidade. Portanto, determina-se a reversão da justa causa aplicada à trabalhadora.
Não foi esse o racional do acórdão e daí porque se defender que o pensamento pragmatista foi predominante no processo decisório.
5. CONCLUSÃO.
A temática da possibilidade de recusa à vacinação é absolutamente atual e foi turbinada pelo contexto que a nefasta pandemia do coronavírus trouxe à população do planeta. Ao analisar o tema, as Cortes Brasileiras têm se deparado com uma possibilidade de escolha do método de interpretação jurídica que as norteará. Se partirem de uma visão dogmática e meramente positivista ou ainda se buscarem o apego a precedentes, que embora não específicos, serão encontrados, nossos Tribunais poderão concluir que determinado empregado poderá sim se recusar à vacinação, já que não existe lei que expressamente o obrigue a se vacinar.
Já o juiz que se permite adotar o método pragmatista atribui um peso maior aos fatos do que propriamente aos precedentes. Na lição de Posner (2012 p. 391):
“Esses cinco exemplos devem ajudar-nos a perceber que, embora tanto o positivista quanto o pragmatista se interessem tanto pelas fontes de direito como pelos fatos, o positivista parte das fontes e atribui-lhes um peso maior, ao passo que o pragmatista parte dos fatos e atribui-lhes um peso maior. É essa a descrição mais sucinta que posso oferecer da atividade judicial pragmática, (...). O juiz pragmatista acredita que o futuro não deve ser escravo do passado, mas não está obrigado a encarar determinados conjuntos de dados como diretrizes para a tomada de decisão (...).”
Por essa razão é que a escola do pragmatismo jurídico ganha notória importância nessa questão. As características da filosofia pragmatista oferecem uma solução que pode melhor aproximar as decisões judiciais das necessidades e expectativas humanas e sociais.
E parece ter sido essa a inclinação tanto do Supremo Tribunal Federal, quanto do Tribunal Regional do Trabalho nos julgados estudados no presente trabalho. Valorou-se, pois, o contexto no qual a discussão estava inserida e sua característica única. Avaliou-se cuidadosamente as consequências que os comandos judiciais e os primeiros precedentes sobre a matéria poderiam ter para encorajar ou desencorajar a vacinação. Foram contrapostos direitos fundamentais, como o direito individual de personalidade e saúde, versus o direito da coletividade à saúde e à não contaminação. E toda essa discussão, pelo menos nos julgados ora analisados, foi realizada sem as amarras de precedentes judiciais e sem um apego mecânico à letra fria da lei.
As características da corrente pragmatista que abundam os acórdãos analisados, parecem ter contribuído para uma solução adequada e atual da sensível problemática posta em debate.
REFERÊNCIAS:
ALMEIDA, Amador Paes de. CLT comentada. 9. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2015.
DEWEY; John. Método Lógico e Direito. In: Cornell Law Review, vol. 10. Trad.Cassiano Terra Rodrigues, 1924.
HERDY; Rachel, MATIDA; Janaina. CNJ pode dificultar formação de juízes na tradição racionalista da prova. Disponível em https://www.conjur.com.br/2021-out-22/limite-penal-cnj-dificultar-formacao-juizes-tradicao-racionalista-prova. Acesso em 18/11/2021.
LIMA, Silvio Wanderley do Nascimento. Breves comentários sobre o pragmatismo jurídico e o processo decisório judicial no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3218, 23 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21595. Acesso em: 11 nov. 2021.
MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Direito do Trabalho. 16ª ed. São Paulo: Atlas. 2015.
PEIRCE, C, S. De pragmatismo e pragmaticismo. In: Semiótica. 2. ed. Trad.José Teixeira Coelho Neto. São Paulo: Perspectiva, 1990b. p. 191-299.
POSNER; Richard. A problemática da teoria moral e jurídica. Trad. CIPOLLA; Marcelo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2012.
SILVA; Heraldo Aparecido; Pragmatismo, narrativas conflitantes e pluralismo. Disponível em https://periodicos.ufrn.br/principios/article/download/427/365/. Acesso em 22/11/2021.
[1] Por ocasião da elaboração desse artigo, segundo os dados da OMS disponíveis em https://covid19.who.int/ (acesso em 07/16/2022 às 12:00), foram mais de 529milhões de casos confirmados e aproximadamente 6,3milhões de mortes causadas pelo coronavírus.
[2] Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.
[3] EISERBERG Eisenberg, José. Para que serve o pragmatismo jurídico? apud LIMA, Silvio Wanderley do Nascimento. Breves comentários sobre o pragmatismo jurídico e o processo decisório judicial no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3218, 23 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21595. Acesso em: 1 nov. 2021.
[4] Poder-se-ia defender que a pandemia do coronavírus é comparável às pandemias da peste bubônica, gripe espanhola ou outras pandemias que, em outros séculos, assolaram a humanidade. No entanto, nenhuma dessas outras pandemias ocorreu em um contexto de globalização avançada, de meios de transportes desenvolvidos e intrinsecamente relacionados, e em um momento em o mundo inteiro é absolutamente conectado, facilitando a disseminação quase que instantânea de uma doença. Sob essa prisma, s.m.j, a pandemia do coronavirus não encontra paralelos históricos.
[6] O processo tramitou em segredo de justiça, de forma que não é possível o integral acesso dos autos. O conteúdo da parte dispositiva é público e está disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5909870 – acesso em 01/11/2021.
[7] Disponível em http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=457462&ori=1 – Acesso em 01/11/2021.
[8] Peirce definiu o pragmatismo como:
“O que se procura, portanto, é um método que determine o significado real de qualquer conceito, doutrina, proposição, palavra ou outro signo. [...] Mas o pragmatismo não se propõe a dizer no que consiste os significados de todos os signos, mas, simplesmente, a estabelecer um método de determinação dos significados dos conceitos intelectuais, isto é, daqueles, a partir dos quais podem resultar raciocínios. [...] Ora, esta espécie de consideração, a saber, a de que certas linhas de conduta acarretarão certas espécies de experiências inevitáveis, é aquilo que se chama consideração prática (Peirce, 1990b, p. 193-195)”
[9] A citação de Richard Posner mencionada no acórdão do STF foi extraída de: POSNER, Richard. Not a Suicide Pact: the constitution in a time of national emergency. Oxford University Press, 2006.
[10] Em seu artigo, LIMA (2012) define que
“o antifundacionalismo implica na rejeição à fundamentação do pensamento e do conhecimento e, por extensão, da verdade, que se alicerce em asserções absolutas, estáticas, perpétuas e imutáveis. Partindo desta ótica, assevera-se que o processo natural de mutação das relações não permite assegurar que existam respostas finais, definitivas e atemporais que se prestem a servir de sustentáculo universal. O processo sistemático de investigação e reflexão permite que se obtenha uma resposta, a qual será, na medida das reais condições existentes, a resposta satisfatória para a situação examinada. O atingimento desta resposta aceitável, contudo, não fará cessar a possibilidade de investigação sobre o objeto examinado, eis que inexistente uma verdade final a ser atingida, mas sim um contínuo processo de aprimoramento.”
[11] Fonte: https://especiais.g1.globo.com/bemestar/vacina/2021/mapa-brasil-vacina-covid/ acessado em 07/06/2022.
[12] O TRT-2 possui cerca de 450 juízes, 94 desembargadores, 5.500 servidores e mais de mil profissionais terceirizados. Tem tramitação de mais de 900 mil processos. É o maior tribunal trabalhista do país em termos de estrutura e de volume processual. Fonte: https://ww2.trt2.jus.br/institucional/o-trt-2/quem-somos/. Acesso em 22/11/2021.
[13] RORTY; R. Philosophy and the Mirror of Nature. New Jersey: Princeton U Press, 1979. apud HERDY; Rachel, MATIDA; Janaina. CNJ pode dificultar formação de juízes na tradição racionalista da prova. Disponível em https://www.conjur.com.br/2021-out-22/limite-penal-cnj-dificultar-formacao-juizes-tradicao-racionalista-prova. Acesso em 18/11/2021.
[14] Em sua crítica a forma mecânica de decidir dos tribunais, Dewey (1924) atesta que: “A comodidade mecânica com que os tribunais se desobrigam dos casos, e não a segurança de fato dos agentes, é a causa real, por exemplo, de se tornarem as regras de justificativa duras e rígidas. O resultado introduz um elemento desnecessário de aposta no comportamento daqueles que buscam apaziguar disputas, ao passo que permite aos juízes apenas aquela comodidade e aquela simplicidade artificiais fornecidas por qualquer hábito rotineiro de ação. Ele substitui a necessidade de pensamento analítico por um procedimento mecânico.”
Mestrando pela PUC-SP. Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2006), Pós Graduado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2009), Mestrando pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e advogado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Cleber Venditti da. Recusa injustificada de se vacinar contra o corona vírus como causa de rescisão do contrato de trabalho por justa causa. Uma visão jurídico-pragmática Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 jun 2022, 04:08. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /58679/recusa-injustificada-de-se-vacinar-contra-o-corona-vrus-como-causa-de-resciso-do-contrato-de-trabalho-por-justa-causa-uma-viso-jurdico-pragmtica. Acesso em: 29 dez 2024.
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